Formado, Pet sonha ser dirigente: ‘Se não deixar trabalhar, peço demissão’

Nas primeiras horas da manhã de uma segunda-feira ensolarada, Petkovic pede desculpa pelo atraso de 15 minutos por conta do trânsito na Barra da Tijuca. Conhecido pela sua extrema pontualidade, ele chega ao seu escritório de bom humor e mostra um estilo despojado: camisa básica rosa, calça jeans e tênis. Mas, em breve, o modelito poderá ser substituído por um terno. Recém-formado num curso de diretor esportivo pela Real Federação Espanhola de Futebol, o gringo com jeito de carioca quer ser dirigente. E pensou em começar pelo Flamengo.
- Falei que estava aberto para começar no Flamengo, mas o Flamengo não achou oportuno me aproveitar nos últimos seis meses e nem agora.

Numa conversa de cerca de 45 minutos, o futuro diretor falou com conhecimento de causa, discorreu sobre todos os setores de um clube de futebol e analisou casos da realidade carioca: os salários atrasados do Vasco e o boicote à concentração, além da relação Flamengo, Traffic e Ronaldinho Gaúcho.
Para assumir algum clube, Pet quer ter poder de decisão.
- Se entrar um contratado para tapar buraco, não deixar trabalhar, esse Pet dirigente pede demissão em um mês.
Daqui a duas semanas, ex-jogador pretende voltar ao seu paraíso em Morro de São Paulo, em Salvador. Ele estará de sunga, mas pronto para vestir o terno feito com costureiro particular.
- Na maioria dos lugares onde vou estar (como dirigente), lugar fechado, “coloca” um terninho. No sol e na praia, “vai” de sunga. Eu sempre me vesti diferente. Acho que se você está representando uma instituição, você mesmo, tem que ser assim. Sempre briguei por causa disso. Todo mundo dizia que o Pet era marrento, mas era pela instituição, só como deveria funcionar. Quando funcionava, mesmo contra minha vontade, cumpria com rigor, havia a conduta do comandante, não era nada pessoal comigo.
É o Pet. E o recado do Pet:

sérvia (Foto: Richard Souza/GLOBOESPORTE.COM)
- O bem sempre vence o mal. Não vai mudar. Um lobo não muda. Não muda o caráter.
GLOBOESPORTE.COM: Pet agora vai virar dirigente? Como foi o curso feito na Espanha?
PETKOVIC: Foi um curso de diretor esportivo de futebol. A (Real) Federação Espanhola de Futebol faz esse curso, na sua sede, foi o 12º a ser realizado. Nos seis últimos meses do ano passado estive tranquilo para fazer as minhas coisas. Depois do jogo de despedida (em junho), ainda tinha contrato de seis meses com o Flamengo. Estava tentando ajudar o clube em algumas coisas, mas parece que não precisavam. Aproveitei o tempo livre, fiz esse curso na Espanha. Agora sou formado como diretor esportivo de futebol. Para ser aceito no curso, você tem que ser jogador federado. Todos que passaram pelo curso - até hoje se formaram 700 - foram pessoas que trabalharam em clubes, tinham que conhecer o básico, vestiário...
Quando você parou, falou em ser técnico. Já tem um caminho? Como você fez esse curso, algo indica que você pode começar como dirigente? Ou foi mais para ter um embasamento?
Sempre falei que o dirigente tem que ser profissional, minha argumentação sempre foi boa. Baseado nisso, sempre quis aprender muito, já conhecia o curso há muito tempo e fui fazer. Sempre se aprende alguma coisa. O curso faz você conhecer e ensina a organizar o clube. Aprende sobre todas as áreas que envolvem a formação do clube. Não só a área desportiva, colaboradores, divisão de base, escola de futebol, profissional, comissão técnica. Todos que participam do sucesso, do dia a dia do clube. Você conhece áreas importantes de marketing, comunicação com a mídia, financeiro, direito. Aprende de tudo um pouco. Conhece regulamento. É bem amplo como tem que ser. Você é o homem do clube. Tem a política, presidente, conselho deliberativo, vice-presidentes. O curso é organizado pela Federação Espanhola, que agora tem a melhor seleção do mundo. Fazem um trabalho bem organizado, não têm sucesso por acaso. Têm sucesso nos clubes e na federação. Um exemplo a ser seguido, não conheço outro curso assim.
No Brasil é justamente ao contrário. São muitos os dirigentes que não têm essa vivência no futebol...
Demorou na Espanha também. Há quase 30 anos que existem diretores, ao longo do período vão se profissionalizando. Eles sentiram a falta de aproximar os times. Os grandes times, bem organizados, tinham essas figuras, pessoas formadas. Mas os pequenos ficavam naquilo... Qual é a ideia? Que todos os clubes tenham os mesmos direitos, sejam igualados financeiramente, para que a competição esteja igualada. A Federação Espanhola, a Uefa, está prestando atenção nisso, novas diretrizes, limitam dinheiro de ingressos de futebol. É bem estruturado. Se aprende a fazer direitinho, vai ser mais respeitado, honesto, a torcida vai saber o que está sendo feito. O resultado vem através de organização, trabalho planejado. Tem que ter critério e coerência. Isso ainda está começando no Brasil, estamos num caminho bom. Deveríamos seguir um exemplo positivo, emplacar esse curso aqui, talvez. Temos pouca gente no futebol que é do futebol.
Como você conhece as duas realidades, não houve um choque durante o curso? Qual seria o caminho para começar a implantar essa filosofia aqui no Brasil?
O choque sofri há 14 anos, quando cheguei aqui (risos). Primeiramente seria encontrar as pessoas certas dentro do clube, que pensem na instituição. Ajudaria muito nisso seguir a lei, melhorar. É importante que a federação ajude, que a liga que organiza ajude. Aqui é o Clube dos 13, que poderia ser essa entidade, ajudar nisso. Os clubes mesmo têm que seguir, a Uefa é muito mais rigorosa que a Conmebol. Nós ainda estamos indo à Justiça do Trabalho. Nós temos uma competição muito forte, com clubes parecidos. Não é como na Europa, que tem quatro, cinco clubes fortes. No Brasil, dos 20 clubes, temos 12, 13, que são fortes. Ajudaria. E buscar pessoas sérias que vão pensar nos clubes e não só na gestão.
Como futuro dirigente, como você vê questões próximas das nossa realidade? Por exemplo: o Vasco parou de concentrar por conta de salários atrasados. Você acha que no futebol moderno não cabe mais (a concentração)?
Ficar três dias num hotel não existe. Se vai concentrar, concentra antes do jogo. Isso eu ainda aceito. No máximo, na véspera do jogo. Os jogadores (do Vasco) deixaram de concentrar, se reuniram, foi um protesto, uma greve. O jogador, na Lei Pelé, se não receber por dois meses, tem direito de parar. Se o jogador opta por essa decisão radical, o clube tem que ter bom senso. Se acontecer, tem que poupar o jogador das concentrações, não tem motivo para ficar dois dias. No Brasil, os trabalhadores têm hora extra, mas jogador não tem, não tem diária quando viaja. Às vezes, a comissão técnica inventa de concentrar uma semana. Pra quê? Isso irrita o jogador. Quem esteve lá dentro sabe como funciona o vestiário. Coloca os líderes, faz uma reunião e lida com isso numa boa. Tem que fazer de tudo para que não ocorra falta de salário. Se perceber que vai faltar, vende jogador, abre mão de outro. O que não pode é faltar salário e comprar outro jogador. Isso é irresponsabilidade. A instituição vem em primeiro lugar, respeitando quem está trabalhando. Se está trabalhando, o salário tem que ser pago e os trabalhadores têm direito de cobrar.
Nesse período em que está no Brasil, notou evolução da consciência dos jogadores em relação aos direitos?
Evolução em todos os sentidos. De quando cheguei há quase 15 anos até hoje, realmente foi uma mudança radical. O futebol está um pouco devagar em relação à Europa, mas o Brasil cresce em todos os sentidos. Agora estamos nos preparando para eventos esportivos importantes, Copa do Mundo, Olimpíadas. O pessoal está ganhando mais, pode melhorar, mas cresceu. Percebi a conscientização dos jogadores, são mais profissionais de dez anos para cá. Têm mais respeito à camisa, ao clube, à profissão. Os jornalistas também já mudaram. Mudanças estão acontecendo. É difícil que aconteça 100%, poderia ser melhor e vai ser.
O Flamengo passa por um problema parecido com o que você enfrentou no clube em 2001. Você quase não foi o herói (do tricampeonato carioca). Deixou a concentração por falta de pagamento, voltou atrás e foi jogar. O Ronaldinho Gaúcho completou seis meses sem receber a parte dos salários que cabe à Traffic, são R$ 4,5 milhões. Na semana passada ele se atrasou para o treino. Como o clube busca o equilíbrio com a estrela da companhia e não pode cobrar já que não paga?
Mas quem deve ao Ronaldo? Eu não conheço o contrato do Ronaldo. Ele está fazendo sua parte na instituição. Bem ou mal, mas está fazendo. Se tem contrato com o Flamengo, o Flamengo com o Traffic, não está nem aí para a Traffic. É absurdo. Se a Traffic deve para ele e o Flamengo cumpre sua parte, fez um contrato ruim. O Flamengo buscou um parceiro que não cumpre. O Fluminense tem a Unimed, que paga rigorosamente em dia. O Fluminense atrasa. Se houvesse um parceiro assim nos outros clubes, seria extraordinário. Não posso julgar o culpado. Sei que tem esse problema e tem que resolver já. Ou ir à Justiça. Ele está jogando, se comportando da mesma forma, não vejo mudança de comportamento.

Você seria diretor esportivo do Flamengo?
Se você for o presidente, né? (risos). Eu vou ser de algum clube, meu vínculo com o Flamengo acabou em 31 de dezembro e agora estou livre para trabalhar no mercado como diretor esportivo, já que tenho diploma de escola boa, ou como técnico.
Está aberto paras as duas?
Estou aberto, mas queria ser diretor. Muita gente força para eu ser técnico, comecei a pensar na ideia.
Existia a previsão de um amistoso no ano passado entre Flamengo e Estrela Vermelha, na Sérvia, para sua despedida, e não aconteceu. Você e o Flamengo firmaram um contrato?
Autor: ,postado em 08/02/2012
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