Micale lamenta demissão: "A vitória tem muitos pais, o fracasso é órfão"
Do céu ao inferno em apenas seis meses. Da inédita medalha de ouro olímpica ao desempenho ruim no Sul-Americano Sub-20, que deixou a Seleção fora do Mundial da categoria. A vida profissional do técnico Rogério Micale, que parecia caminhar em sintonia com os projetos das categorias de base da CBF e do futebol brasileiro, mudou completamente. Após o torneio no Equador, foi chamado pelo presidente Marco Polo del Nero que anunciou sua demissão. O coordenador de base Erasmo Damiani também foi desligado. Em menos de dois anos, o título olímpico, o vice do Mundial de 2015 e a conquistas de outros torneios não foram suficientes para a sequência do trabalho.
Micale ainda tenta entender alguns fatores que levaram o Brasil ao fracasso na busca por uma vaga no Mundial Sub-20 da Coreia do Sul. Assume a responsabilidade pelo desempenho da equipe, lamenta a falta de contato com Tite e Edu Gaspar, técnico e coordenador da Seleção, respectivamente, e desabafa sobre a interrupção do trabalho que vinha desenvolvendo na CBF. Não concorda com a maneira como o processo foi feito, e afirma que na entidade se trabalha com base em resultados. Diz que se não tivesse conquistado a medalha de ouro em 2016, provavelmente seria demitido naquela época.
- Acredito que sim, pelo histórico e o que aconteceu após o Sul-Americano. Suponho que se não ganhasse a medalha de ouro... Ou existe uma pressão muito grande em cima da casa por tudo. E essa pressão ela só sai quando vem alguma conquista. Então, hoje, quando não se conquista algo, se troca. Se tira o foco de determinadas coisas, e o foco, como hoje estou falando, é em cima do treinador. A vitória tem muitos pais. Agora o fracasso, a derrota, é órfão. Eu estou vivendo isso, quando ganhamos a medalha de ouro, eu dividi muito com um amigo meu que usa uma cueca vermelha. Ele fala que nos dias dos jogos só usava aquela cueca vermelha. Então essa cueca vermelha fez a gente ganhar essa medalha de ouro. E assim como ele, tem vários pais em uma conquista como aquela. E é normal. Agora o fracasso é assim: ele é órfão, sozinho. Ele fica naquele quarto, naquele mundo particular. E não é com o Rogério Micale, é com qualquer treinador. Qualquer treinador do futebol brasileiro sabe do que estou falando. Ganhar é difícil demais, em qualquer área. E quando você ganha, aí muitas vezes aparece assim: "Ganhou? É porque deu uma p... lá. O outro diz que é porque aconteceu tal coisa". Você divide a conquista com muita gente. Esse caso da medalha de ouro tem sim que dividir. Com a comissão técnica, pessoas incríveis de vários clubes do Brasil, e principalmente com os jogadores do Brasil. Esses caras ganharam a Olimpíada. Esse grupo realmente fez acontecer. Mas agora no Sul-Americano infelizmente não aconteceu – revela Micale em entrevista ao programa Esporte Espetacular.
Confira abaixo a entrevista na íntegra com Rogério Micale:
O que aconteceu em seis meses depois de uma medalha olímpica inédita, passando pela eliminação no Sul-Americano, que acabou com a sua demissão?
- Olha, é difícil explicar uma situação como essa. Acredito que seja, como presidente me falou, pelo resultado do Sul-Americano. Vejo que as críticas com relação aos resultados são justas, não foi o que esperávamos. E também fico muito feliz pela conquista da medalha olímpica, por tudo o que passamos. Não tínhamos esse título. Agora são coisas difíceis para a gente achar uma explicação razoável, porque o futebol é um esporte, uma competição, um jogo em existem momentos de oscilação. Nesse momento, oscilamos. Errei, não transfiro a responsabilidade para ninguém, poderíamos ter feito uma campanha melhor. Mas infelizmente, só pelo resultado nos leva a uma interrupção de projeto, de ciclo. Mas faz parte, é uma cultura nossa.
Se o Brasil tivesse se classificado, o trabalho ainda não seria bom, mas teria conseguido a vaga no Mundial. O que você acha que teria acontecido?
- É difícil a gente explicar porque não sabemos de fato o que ocorreu. Eu me pauto muito em cima do resultado do Sul-Americano. Sendo que tivemos algumas chances de ganhar vários jogos, e tomamos gol nos minutos finais. Ou no minuto final dos jogos. No jogo contra a Argentina, no penúltimo jogo, até os 49 do segundo tempo estávamos no Mundial e brigando pelo título. Então no jogo seguinte não ganhamos. Esse tipo de situação, eu como treinador me preparei para passar. Mas qual é a mensagem que deixamos para o nosso futebol brasileiro de base, principalmente? Isso é o que me chama atenção, e temos que discutir sobre isso. A mensagem é que se você não ganhar, todo processo que está sendo desenvolvido é do resultado pelo resultado. E aí nós estamos dizendo assim aos formadores (treinadores) no Brasil: "Olha, se você tiver um talento que não estiver maturado, que seja pequeno, que possa ser bom de bola mas não tenha um biotipo adequado para resultado imediato, abra mão dele e utilize com esse tipo de perfil. Porque ele vai te dar o resultado imediato, ele vai te dar o teu emprego. Essa mensagem que eu fico chateado de ter passado com a minha demissão para toda uma base do país que ainda está em crise de identidade. Nós não sabemos ainda o que queremos, e talvez quem somos. Em um momento recente, nós tentamos copiar 100% do que se faz na Europa como se fosse certo. E aí mudamos características de jogador, começamos a trabalhar com jogadores maiores, maturação toda feita e isso nos comprometeu tecnicamente. Então, quando um órgão como a CBF, que é a casa maior do futebol, passa essa mensagem, temos que estar em alerta. Não é isso que queremos para o nosso futebol. Eu sou técnico, realmente pode ter sido justo eu ter sido mandado embora pelo resultado. Mas existe um processo na formação, e temos que ter tranquilidade para não mudarmos toda essa situação só em busca do resultado final.
Autor: ,postado em 24/02/2017
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