Murillo Teixeira quebra tabus e relata bullying: "Me chamam de bichinha
Diante de um panorama esportivo mundial que tenta ser cada vez mais democrático, Murillo Teixeira é exceção. O paulistano trilha um caminho no esporte desde pequeno por causa de uma família ligada ao esporte. A exemplo da irmã mais velha, Giovanna, chegou a praticar natação por um tempo. Até que o acaso o levou a outra modalidade aquática, mas que é um terreno desconhecido para praticamente todos os candidatos masculinos.
Murillo interessou-se pelo nado artístico, uma prática predominantemente feminina, após acompanhar Giovanna em um treino em projeto esportivo em São Paulo. Uma professora perguntou se ele não topava colocar uma sunga e tentar o desafio, e ele encarou para nunca mais sair.
Hoje, com 14 anos, ele é a maior promessa do nado artístico masculino do Brasil. Passou do projeto social para um clube de ponta - o Paineiras do Morumby - e enfileirou conquistas na prova de dueto misto, a única que permite a permissão masculina na modalidade. Em seu currículo, já exibe medalhas de ouro obtidas em campeonato brasileiro, sul-americano e pan-americano. Ele está classificado para disputar, em agosto, o Campeonato Mundial do Canadá ao lado da parceira, Celina Rangel - o evento corre risco de ser adiado ou cancelado por causa da crise do coronavírus.
Detalhe: Murillo tem amealhado todas essas honrarias em uma categoria acima de sua idade.
- Com 14 anos, já é muita coisa ter as conquistas que eu tenho: três vezes campeão brasileiro, campeão sul-americano de dueto juvenil e já fui campeão pan-americano também. Eu tenho orgulho de tudo isso que consegui - afirmou o atleta.
O sucesso precoce não vem, porém, sem dor. Por se firmar em uma modalidade na qual mais de 90% dos praticantes são mulheres, Murillo contou que frequentemente é vítima de bullying e constrangimentos.
- Nem eu nem muita gente sabia que existe nado artístico masculino. Antes de entrar, eu não sabia que existia. "Ah, mas existe para homem?", é o tipo de coisa que eu mais ouvia - depois.
Existe. Mas o caminho para o aumento da participação dos homens em eventos é bem longo. A disputa do dueto misto não faz parte dos Jogos Olímpicos, e só foi introduzida em Campeonatos Mundiais de Esportes Aquáticos em 2015, na edição realizada em Kazan, na Rússia. Na ocasião, foram dez participantes homens contra quase 400 mulheres. O número aumentou nos mundiais seguintes, em 2017 (11) e em 2019 (12), mas ainda assim timidamente.
Em nível nacional, a questão é ainda mais tabu. São apenas 19 atletas homens federados, de acordo com dados da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos). O desconhecimento aliado ao preconceito gera situações constrangedoras para atletas como Murillo.
- Sempre escuto muitos comentários. Principalmente de pessoas não muito longe de mim. Pessoas que ficam próximas. Já ouvi muitos comentários maldosos. Não que eu leve a mal, mas fico chateado. Você está lá, treinando, e de repente vai para o banheiro e escuta: "Ah, olha lá, ele faz nado" ou "ah, bichinha". Deixa um pouco constrangido. Machuca, é bem triste - comentou o nadador.
O pior é que, muitas vezes, as dúvidas vêm de quem está literalmente ao lado. No caso do pai de Murillo, Sérgio, a reação ao saber que o filho tinha optado pela modalidade foi um "choque".
- Para mim, nos primeiros meses foi um choque. O Murillo fazer nado? Nado? Mas não dá para fazer polo aquático? Vôlei? Futebol? Foi um choque levá-lo para um lugar onde só havia meninas. Pensava na época: "Daqui a pouco, vão estar confundindo ele com menina". Mas depois percebi que tudo isso é um grande paradigma - afirmou.
Curiosamente, é Sérgio o maior incentivador do filho. É o pai que ajuda a colocar e tirar gelatina no cabelo, pergunta dos treinos, confere o calendário de competições e até já pediu licença do trabalho para viajar ao exterior. Hoje, seu maior sonho é ver Murillo nas Olimpíadas.
Eu tenho certeza de que o Murillo vai chegar. Se ele continuar no ritmo que está e o dueto misto entrar nas Olimpíadas de 2024, como é espero, vai estar lá - emendou.
Enquanto lida com sonhos e gozações, Murillo treina cinco vezes por semana nas piscinas do Paineiras. São ao menos quatro horas de treinos de coreografias na água e outras horas adicionais em academia. Nem a crise do novo coronavírus tem impedido as atividades. Murillo, Celina e sua treinadora, Priscila Pedron, têm feito treinos conjuntos por aplicativos de videoconferência.
Vale tudo para se manter na ativa atrás do sonho de quebrar tabus e ganhar medalhas.
- O mais importante é mudar a forma como as pessoas vão olhar o nosso esporte. Tudo muda. O patrocinador fica mais interessado, as leis de incentivo do governo também incluem provas, ajuda muito o esporte - disse Priscila.
O COI (Comitê Olímpico Internacional) tem alardeado que os Jogos de Tóquio, recentemente remarcados para 2021 por causa da crise do novo coronavírus, serão os mais iguais em termos de gênero em toda a história, com divisão quase igual entre homens e mulheres. Porém, nesta orientação dois esportes olímpicos ainda não admitem representantes masculinos: o nado artístico e a ginástica rítmica.
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Diante de um panorama esportivo mundial que tenta ser cada vez mais democrático, Murillo Teixeira é exceção. O paulistano trilha um caminho no esporte desde pequeno por causa de uma família ligada ao esporte. A exemplo da irmã mais velha, Giovanna, chegou a praticar natação por um tempo. Até que o acaso o levou a outra modalidade aquática, mas que é um terreno desconhecido para praticamente todos os candidatos masculinos.
Murillo interessou-se pelo nado artístico, uma prática predominantemente feminina, após acompanhar Giovanna em um treino em projeto esportivo em São Paulo. Uma professora perguntou se ele não topava colocar uma sunga e tentar o desafio, e ele encarou para nunca mais sair.
Hoje, com 14 anos, ele é a maior promessa do nado artístico masculino do Brasil. Passou do projeto social para um clube de ponta - o Paineiras do Morumby - e enfileirou conquistas na prova de dueto misto, a única que permite a permissão masculina na modalidade. Em seu currículo, já exibe medalhas de ouro obtidas em campeonato brasileiro, sul-americano e pan-americano. Ele está classificado para disputar, em agosto, o Campeonato Mundial do Canadá ao lado da parceira, Celina Rangel - o evento corre risco de ser adiado ou cancelado por causa da crise do coronavírus.
Detalhe: Murillo tem amealhado todas essas honrarias em uma categoria acima de sua idade.
- Com 14 anos, já é muita coisa ter as conquistas que eu tenho: três vezes campeão brasileiro, campeão sul-americano de dueto juvenil e já fui campeão pan-americano também. Eu tenho orgulho de tudo isso que consegui - afirmou o atleta.
O sucesso precoce não vem, porém, sem dor. Por se firmar em uma modalidade na qual mais de 90% dos praticantes são mulheres, Murillo contou que frequentemente é vítima de bullying e constrangimentos.
- Nem eu nem muita gente sabia que existe nado artístico masculino. Antes de entrar, eu não sabia que existia. "Ah, mas existe para homem?", é o tipo de coisa que eu mais ouvia - depois.
Existe. Mas o caminho para o aumento da participação dos homens em eventos é bem longo. A disputa do dueto misto não faz parte dos Jogos Olímpicos, e só foi introduzida em Campeonatos Mundiais de Esportes Aquáticos em 2015, na edição realizada em Kazan, na Rússia. Na ocasião, foram dez participantes homens contra quase 400 mulheres. O número aumentou nos mundiais seguintes, em 2017 (11) e em 2019 (12), mas ainda assim timidamente.
Em nível nacional, a questão é ainda mais tabu. São apenas 19 atletas homens federados, de acordo com dados da CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos). O desconhecimento aliado ao preconceito gera situações constrangedoras para atletas como Murillo.
- Sempre escuto muitos comentários. Principalmente de pessoas não muito longe de mim. Pessoas que ficam próximas. Já ouvi muitos comentários maldosos. Não que eu leve a mal, mas fico chateado. Você está lá, treinando, e de repente vai para o banheiro e escuta: "Ah, olha lá, ele faz nado" ou "ah, bichinha". Deixa um pouco constrangido. Machuca, é bem triste - comentou o nadador.
O pior é que, muitas vezes, as dúvidas vêm de quem está literalmente ao lado. No caso do pai de Murillo, Sérgio, a reação ao saber que o filho tinha optado pela modalidade foi um "choque".
- Para mim, nos primeiros meses foi um choque. O Murillo fazer nado? Nado? Mas não dá para fazer polo aquático? Vôlei? Futebol? Foi um choque levá-lo para um lugar onde só havia meninas. Pensava na época: "Daqui a pouco, vão estar confundindo ele com menina". Mas depois percebi que tudo isso é um grande paradigma - afirmou.
Curiosamente, é Sérgio o maior incentivador do filho. É o pai que ajuda a colocar e tirar gelatina no cabelo, pergunta dos treinos, confere o calendário de competições e até já pediu licença do trabalho para viajar ao exterior. Hoje, seu maior sonho é ver Murillo nas Olimpíadas.
Eu tenho certeza de que o Murillo vai chegar. Se ele continuar no ritmo que está e o dueto misto entrar nas Olimpíadas de 2024, como é espero, vai estar lá - emendou.
Enquanto lida com sonhos e gozações, Murillo treina cinco vezes por semana nas piscinas do Paineiras. São ao menos quatro horas de treinos de coreografias na água e outras horas adicionais em academia. Nem a crise do novo coronavírus tem impedido as atividades. Murillo, Celina e sua treinadora, Priscila Pedron, têm feito treinos conjuntos por aplicativos de videoconferência.
Vale tudo para se manter na ativa atrás do sonho de quebrar tabus e ganhar medalhas.
- O mais importante é mudar a forma como as pessoas vão olhar o nosso esporte. Tudo muda. O patrocinador fica mais interessado, as leis de incentivo do governo também incluem provas, ajuda muito o esporte - disse Priscila.
O COI (Comitê Olímpico Internacional) tem alardeado que os Jogos de Tóquio, recentemente remarcados para 2021 por causa da crise do novo coronavírus, serão os mais iguais em termos de gênero em toda a história, com divisão quase igual entre homens e mulheres. Porém, nesta orientação dois esportes olímpicos ainda não admitem representantes masculinos: o nado artístico e a ginástica rítmica.