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Quem são os torcedores que realizaram protestos pelo Brasil no domingo


 Quem são os torcedores que realizaram protestos pelo Brasil no domingo

Torcedores de diferentes clubes do Brasil foram às ruas no último domingo para manifestações políticas. O maior ato, na avenida Paulista, em São Paulo, foi organizado por corintianos, mas também contou com palmeirenses, santistas e são-paulinos.

Protestos com presença de camisas e cores de clubes de futebol também aconteceram no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Salvador. As manifestações têm como principais bandeiras a defesa da democracia e o combate ao fascismo.

Mas, afinal, qual a relação das torcidas organizadas com estes atos? Como surgiram esses movimentos? De que forma acontece a união política dos rivais esportivos? O que pode ocorrer daqui em diante? O GloboEsporte.com responde a essas e outras perguntas abaixo. A manifestação também é tema do episódio desta terça-feira doç
 

Origens

O protesto do último domingo em São Paulo, realizado no mesmo horário de manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e que acabou em confronto com a PM, foi convocado por torcedores integrantes de organizadas, mas não teve apoio formal delas. Parece contraditório, mas não é, como explica Danilo Pássaro, um dos líderes do ato na capital paulista.

– É um movimento que surgiu de forma autônoma de torcedores do Corinthians, em sua maioria da Gaviões da Fiel, torcida da qual faço parte [...] Não se trata de uma iniciativa ligada às torcidas organizadas, embora tenha nascido dentro delas. É um movimento autônomo, que não tem uma relação institucional nem com os clubes nem com as torcidas. A ideia é que se espalhe pelo país – contou Pássaro, que é morador da Brasilândia, bairro da periferia de São Paulo, e estudante de História na USP.

Junto de amigos corintianos, Danilo Pássaro criou o "Movimento Somos Democracia". Insatisfeitos com atitudes e falas do presidente Jair Bolsonaro e de seus apoiadores, eles decidiram protestar na Avenida Paulista no dia 9 de maio.

Embora tenha contado com pouco mais de 50 integrantes, a primeira manifestação ganhou repercussão nas redes sociais e também provocou a reação de torcedores rivais.

Duas semanas depois, circulou nas redes sociais uma foto de palmeirenses supostamente fascistas, em frente à estação Trianon-Masp do metrô, na avenida Paulista, esperando os corintianos para um confronto. Segundo fontes ouvidas pelo GloboEsporte.com, o grupo é formado por dissidentes da organizada Mancha Verde.

A reação destes palmeirenses aliada às falas de Bolsonaro na última semana ajudaram a inflar o movimento antifascista de domingo, que contou inclusive com torcedores do Verdão.

– A gente tem percebido uma escalada autoritária no país, nos revoltamos com algumas coisas que vêm ocorrendo, como as manifestações que pedem a volta da ditadura, intervenção militar ou que agridem jornalistas e profissionais da saúde. A gente avalia que isso está testando os limites da nossa democracia e que se não houver uma contraposição nessa disputa de narrativas pode ser muito tarde, e a gente pode ter uma ruptura do regime democrático – opinou Danilo.

Unidas, mas nem tanto

As imagens de alguns palmeirenses ao lado de corintianos na avenida Paulista rapidamente viralizaram na internet. Também foi possível ver adereços do Santos e do São Paulo no protesto. No início, porém, o clima não foi tão harmônico quanto as fotos e vídeos fazem crer.

– Quando a gente chegou lá, os caras não entenderam nada. A ideia era ir sem a camisa do Palmeiras, mas eu estava usando. Os corintianos olharam e vieram para cima, mas a gente falou: "Estamos lutando a favor da democracia, contra governo totalitário". Então, cada um foi pra um canto, ficou um clima tenso. Estamos falando de torcidas organizadas, né? Sempre tem um cara que bebeu um pouco a mais, está nervoso, olha torto. Mesmo assim, foi tudo controlado e pacífico – afirmou o designer Gabriel Santoro, membro do grupo "Palmeiras Antifascista".

Torcedores do Palmeiras em manifestação na Avenida Paulista no último domingo — Foto: Reprodução

Torcedores do Palmeiras em manifestação na Avenida Paulista no último domingo — Foto: Reprodução

As rivalidades desportivas e o histórico de brigas e até mortes dificultam a união entre torcedores rivais. Este é um dos motivos para as torcidas organizadas não aderirem às manifestações.

Na Gaviões da Fiel, por exemplo, o presidente Digão já se pronunciou contra Jair Bolsonaro e chegou a sugerir até mesmo que os apoiadores do presidente deixassem a torcida. Mesmo assim, a organizada não apoiou oficialmente os atos de domingo.

Líderes das organizadas temem que uma eventual tomada de lado no polarizado ambiente político brasileiro possa provocar rachas internos nas torcidas.

Uma amostra disso aconteceu durante o segundo turno das eleições de 2018. Na ocasião, 69 torcidas organizadas divulgaram manifesto em apoio à candidatura de Fernando Haddad (PT) e receberam críticas de alguns de seus membros.

Desta forma, a maioria prefere se manter neutra por enquanto. No último domingo, Torcida Jovem, do Flamengo, e Dragões da Real, do São Paulo, se manifestaram afirmando que deixarão seus associados livres para aderirem ou não aos protestos. Segundo as organizadas, elas são apartidárias e existem em função do amor pelos clubes de futebol.

– Dentro das torcidas organizadas há uma movimentação, um incomodo por parte de quem as dirige por ter que dizer alguma coisa. Eles acabam sendo cobrados pelas pessoas que compõem as torcidas para ter uma posição. Muitas organizadas têm representantes que são cooptados pelas diretorias dos clubes e acabam emitindo notas estapafúrdias, negando seu papel histórico na luta por direitos civis – declarou um torcedor do Flamengo, presente em manifestações em Copacabana, no domingo, que não quis ter o nome divulgado por estar sofrendo ameaças em redes sociais.

Descentralização

Embora diferentes capitais brasileiras tenham registrado protestos neste fim de semana com presença de símbolos e cores de clubes, até o momento não há uma coordenação entre torcedores de diferentes regiões.

– É claro que uma pessoa ou outra da nossa torcida acaba tendo relação com membros de torcidas de outros estados, mas não foi algo bem articulado, foi uma ação espontânea. É um grito que estava entalado na garganta de muita gente, ainda mais por conta da pandemia, com as pessoas se esforçando para cumprir as orientações das autoridades de saúde e manter o isolamento social. Quando a gente assumiu o risco de defender a democracia, a gente acabou representando muita gente, essas pessoas se sentiram encorajadas a fazer também. Eu considero isso muito bom – disse o corintiano Danilo Pássaro.ç
 

Enquanto em São Paulo e Rio de Janeiro as manifestações foram lideradas por corintianos e flamenguistas, respectivamente, em outras cidades os torcedores fizeram parte dos atos, mas não na linha de frente. Foi o caso de Porto Alegre, que contou com gremistas e colorados, e Belo Horizonte, onde torcedores de Atlético-MG, América-MG e Cruzeiro marcharam lado a lado.

Beth Dantas, torcedora do Vitória, explica como foi a organização dos atos em Salvador:

– A gente vinha discutindo individualmente, um com outro, com pessoas da torcida que sabemos que são de esquerda e que estavam muito assustados com os rumos dessa guinada fascista que o país vem tomando. A gente pensou: vamos lá chegar no ato dessa galera pra ver qual é, o que eles estão reivindicando, como é o processo organizativo, se de fato são tão racistas como a gente pensa que são – contou a torcedora, que prevê manifestações maiores para as próximas semanas:

– Não é uma disputa de esquerda e direita. A própria direita que defende as liberdades democráticas deve ser convidada para participar dos atos pró-democracia. Não é uma questão de ideologia de esquerda ou direita, é uma questão de pessoas que não dialogam, que são autoritárias, racistas, misóginas, uma galera fascista mesmo.

Nos últimos anos, houve um crescimento no número dos coletivos de torcedores denominados antifascistas. Nas redes sociais, há mais de 50 grupos com esta bandeira política. Alguns deles chegam a levar faixas aos estádios propagando sua ideologia, enquanto outras se limitam a discussões em fóruns da internet.

– Nós nos incomodamos muito com essa ideia de que o Palmeiras é um time fascista. Nós, como palmeirenses antifascistas, sempre lutamos contra isso. Temos diálogo com outras torcidas antifascistas, mas, para mim, é muito difícil que isso aconteça dentro das organizadas, pelo menos neste momento. Essas ideias precisam ser maturadas – comenta Gabriel Santoro.

Não é só aqui

Torcidas de clubes de futebol foram protagonistas em grandes manifestações políticas ao redor do mundo nessa década.

Um dos casos que ganhou repercussão foi na Turquia, onde ultras dos três maiores clubes, Galatasaray, Fenerbahçe e Besiktas, deixaram a rivalidade de lado e se uniram em 2013 para protestar contra o regime autoritário do então primeiro-ministro Recep Erdogan.

Tudo começou quando o governo turco mandou demolir um parque para construiu um shopping. A população passou a protestar e houve uma escalada da violência policial. Mais de oito mil ficaram feridos.

Anos antes, o Egito passou pela Primavera Árabe. Torcedores dos rivais Al Ahly e Zamalek estiveram na linha de frente dos protestos na Praça Tahrir contra o regime do ditador Hosni Mubarak, que acabou renunciando à presidência em fevereiro de 2011.

No ano seguinte, ocorreu o massacre de Port Said, em que 74 torcedores do Al Ahly morreram ao serem atacados pelo torcedores do Al Masry durante um jogo que era televisionado ao vivo para todo o país. A polícia ajudou na emboscada e fechou os portões do estádio.

Tanto no Egito quanto na Turquia os ultras tiveram acesso aos estádios dificultado pelo governo após se engajarem politicamente.

Outro caso emblemático aconteceu na Ucrânia, com a Euromaidan, entre o fim de 2013 e início de 2014. Ultras de diferentes clubes estiveram lado a lado nas trincheiras na Praça da Independência.

Após semanas de confrontos violentos, o movimento nacionalista conseguiu derrubar o presidente Víktor Yanukovych.

No caso ucraniano, a influência política das organizadas se tornou ainda maior. Estádios passaram a ser usados para recrutar soldados para milícias e arrecadar dinheiro para compra de armas.

Mais recentemente, no Chile, as torcidas dos principais clubes do país também tiveram protagonismo nas manifestações contra o governo, no começo deste ano.


 

 

 

Autor: ,postado em 03/06/2020


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